Tudo se transforma!

Em junho de 2015 fui convidado pela AICOPA, na qualidade de Presidente da Direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Economistas, funções que então desempenhava, para fazer uma comunicação num seminário de reflexão sobre o futuro do setor da construção civil nos Açores.

Gravei a comunicação com o intuito de a editar, tarefa que só agora terminei, depois de recordado por uma lista interminável de coisas para fazer que consultei há umas semanas. 

Devo, a começar, advertir que desde que me iniciei no estudo da economia gostei de contrariar a ideia de que os economistas só falam de números, facto que somado à má fama que os anos da Troica colaram ao Excel, suportou a minha decisão de não apresentar quadros com números ou, sequer, gráficos.

Quando, há cerca de trinta anos, emigrei do Faial havia nessa ilha uma conhecida mercearia, muito bem fornecida, que tinha tudo, incluindo um grande problema: tudo estava fora do lugar. Na azáfama diária, o seu proprietário e empregados não reservavam o tempo suficiente para a manter em ordem.

As nossas cabeças, frequentemente, estão como essa mercearia, precisando de uma arrumação, que conferências como esta proporcionam e facilitam.

A minha comunicação, que é a partilha de um conjunto de reflexões que temos feito no quadro da atividade da Delegação dos Açores da Ordem dos Economistas, tem o propósito de contribuir para organização do nosso pensamento sobre o futuro que já caminha ao nosso encontro.

Toda a atividade humana tem um contexto, que não pode ser ignorado se a quisermos compreender e se intentarmos identificar a sua trajetória.

Somos ilhas de pequena dimensão, o que se constitui como fator limitativo do desenvolvimento da construção civil, que necessita de espaço para se concretizar, recurso que é fortemente disputado pela agropecuária, o mais importante setor da nossa débil economia.

O turismo, setor económico emergente, não sendo um tão grande consumidor de espaço, tenderá a estabelecer-se, considerando as características do nosso produto turístico, como um agente de defesa do ambiente, o que, associado ao crescimento da consciência ambiental da sociedade, se traduzirá numa utilização muito mais exigente do espaço disponível.

Para além da geografia deve considerar – se, igualmente, a demografia.

Embora nos Açores não tenhamos grandes flutuações da população, a verdade é que existem pressões, fortes, no sentido da sua redução.

Verifica-se uma baixa taxa de natalidade, em decréscimo há vários anos, que  combinada com o aumento da esperança de vida, promove o envelhecimento da população.

Temos, para além desta, de considerar, sem demagogia, uma outra questão. Somos um Região pobre e pequena que nunca vai poder oferecer a riqueza de oportunidades necessária para dar emprego há diversidade de profissões  que os jovens procuram hoje em dia.

Há, de novo, muita gente jovem que sai dos Açores, ou da sua ilha, para estudar que, dada a especificidade da sua formação, muito dificilmente, para não usar uma expressão mais chocante, terá emprego nos Açores.

Somos, satisfeitos, parte da União Europeia, que busca ativamente criar condições para que os seus cidadãos procurem e obtenham, em igualdade de circunstâncias, emprego onde ele exista, independentemente da sua origem. É por isto que não nos podemos lastimar quando os nossos partem por essa razão.

Olhemos rapidamente o mercado, procurando identificar setores que tenham interesses ou necessidades relacionadas com a construção civil e as condicionantes que lhes estão associadas.

O stock de habitação para venda não permite antever a possibilidade de grandes investimentos nesta área.

Existe diversidade de incentivos ao investimento na indústria, mas na verdade não existem muitas oportunidades para investir nesta área, dados os poucos recursos naturais que estão à nossa disposição e a sua reduzida escala.

A fruição da natureza e o bem estar oferecem possibilidades que temos de explorar melhor.

O turismo tem, ainda, algumas coisas para dar à construção civil, embora diferentes das que tem dado até agora. Não devemos esperar a construção de uma quantidade relevante de grandes hotéis, mas surgirão trabalhos de tipologia diferente.

O financiamento é uma questão da maior relevância dadas, pelo lado privado, a escassez de capital próprio das empresas açorianas, nomeadamente as de construção civil, e a maior dificuldade de acesso a crédito.

Do lado público existem intenções de investimento e, certamente, meios para os concretizar, mas temos de considerar que a nível global a capacidade do mundo para produzir riqueza está em regressão, ou, visto numa perspetiva mais positiva, está a ajustar-se, o que quer dizer que a parte do mundo que está, neste momento, mais apta a produzir riqueza não é a nossa.

Como consequência disto as entidades públicas têm tido necessidade de fazer outras opção políticas, sublinhando a sua intervenção social, o que pressiona a redução do investimento público.

Nos Açores o investimento público depende grandemente de fundos comunitários, que são cada vez mais escassos e de mais difícil acesso, dada a cada vez maior e mais intensa luta pela sua posse.

A União Europeia tem mais membros e alguns dos últimos países que a ela se juntaram têm níveis de vida relativamente baixos, razão pela qual estão ávidos de suporte ao seu desenvolvimento.

Tenho memória de ter participado, no final da década de oitenta, num seminário, realizado na Universidade dos Açores, no qual um dos temas mais debatidos foi o fim do ciclo do betão.

Na altura havia a ideia de que, feitos uns portos e uns aeroportos, o espaço para construção civil se esgotara, obrigando à procura de outra via.

O que é verdade é que de então para cá ocorreram, no meu critério, mais dois ciclos de betão, que já acabaram, e outro está aí à porta, claramente diferente dos outros, razão pela qual o setor está sujeito a um ajustamento, processo que é sempre doloroso.

Não podemos, todavia, encarar este processo como se estivéssemos num consultório médico, a aguardar a vez, lendo uma revista de há três anos, procurando atribuir responsabilidades ou encontrar justificações. Temos de encarar este tempo como quem está à entrada de uma sessão de treino destinado a preparar um jogo que ocorrerá no próximo mês.

É claro que há preocupações que sobraram do passado, mas não vamos ser bem sucedidos se quisermos fazer do futuro a solução do passado.

O novo ciclo constrói-se hoje, não ignorando o passado, é certo,  mas tendo em conta as condicionantes do futuro!

Uma oportunidade de desenvolvimento é o exterior.

É tão verdade que houve experiências de negócios de empresas de construção civil  feitas no exterior que fracassaram, quanto verdade é que outras houve bem sucedidas.

Se considerarmos que a sobrevivência do setor precisa de negócios fora dos Açores, deveremos fazer as tentativas que se mostrarem necessárias até encontrarmos um modelo que funcione e produza resultados satisfatórios.

A construção civil inclui diversas competências, que podem ser vendidas em pacote ou separadamente, razão pela qual nos deveremos apresentar no mercado com a flexibilidade suficiente para encaixarmos as nossas competências nas oportunidades que surgirem.

A procura de negócios no exterior é, pois, um tema que deve ser revisitado.

Do setor do turismo deve esperar-se algum trabalho relevante, quer em novas construções, quer em trabalhos de reforma e manutenção de unidades hoteleiras mais antigas, que representam diferentes oportunidades de negócio.

O mar corre o risco de ser o D. Sebastião da Economia dos Açores. Promete tanto e parece nunca chegar.

São tão grandes o desafio e a imaginação que dificultam o primeiro pequeno passo que temos de nos apressar a dar!

Das competências que fazem a construção civil há algumas que podem interessar a projetos ligados ao mar, nomeadamente engenharia, gestão de obras e de contratos, especialidades ou até realização de trechos de obra adequados à dimensão das nossas empresas.

Mas temos, para aproveitar as oportunidades que surjam, de redobrar a nossa atenção ao mercado e confiar na nossa capacidade.

Do ambiente, de onde já chega trabalho para o setor, deve esperar-se muito mais, quer em novas frentes e áreas, quer na recuperação e manutenção de espaços e infraestruturas.

Segurança, entendida como gestão de riscos de proteção civil, apresenta oportunidades de que proteção da orla marítima e reforço de falésias são apenas exemplos do muito que há para fazer nesta área, que deve ser olhada com profundidade pelas entidades públicas, mas também pelas empresas privadas.

Em Portugal, e nos Açores em particular, somos pouco ativos em matéria de manutenção. Na hora das decisões sobre a afetação dos recursos interessamo-nos mais por novas obras, sacrificando, mais do que é razoável, as necessidades de manutenção do património construído ou de áreas atacadas pela corrosão.

Tenho a ideia de que com a entrega de uma obra se deveria entregar um plano de manutenção da mesma, cuja execução deveria, nos casos das infraestruturas e edifícios públicos ou de uso público, ser fiscalizada.

Se a manutenção fosse encarada desta forma estaríamos perante uma oportunidade de negócio, que nos termos atuais, que não são esses, já representa, ainda que bem mais pequena, uma oportunidade.

Tal como o mobiliário que utilizamos nas nossas casas evoluiu ao longo do tempo para objeto de moda, também os interiores das habitações irão passar a ser alterados de acordo com a moda ou com a evolução dos agregados familiares que os habitarem. O número de divisórias, a sua dimensão e uso serão diversas vezes alterados, considerando a evolução do gosto, o número e idade dos seus habitantes ou até o números de horas que passam em casa.

Já hoje se detetam sinais desta tendência, facilitada por novas técnicas construtivas e diferentes materiais utilizados.

Estou seguro de que um dia remodelações e adaptações vão seguir este curso. Quem se chegar à frente primeiro ficará em vantagem, apesar de ainda haver muito caminho para andar nesta frente.

No fim volto a notar a necessidade de sermos realistas, agindo sempre com a consciência das nossas limitações, nas quais se incluem a escassez dos recursos, não apenas financeiros, que temos à nossa disposição.

Não podemos continuar a pensar o futuro apenas buscando soluções para os problemas que o passado criou. O futuro tem de ser pensado em função dele próprio, isto é, em razão da nossa ambição!

Estou otimista.

Temos, como procurei apresentar, oportunidades. A nossa história mostra que sempre fomos capazes de concretizar as nossas aspirações e adaptarmo-nos às circunstâncias, sempre difíceis, da vida nestas ilhas.

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