Quem é?

Em 2017 visitei, com a minha mulher, a capital da República Checa.

Na tarde de um dos dias da estadia em Praga cumprimos a visita ao Café Imperial, que consta da lista dos dez mais bonitos cafés do mundo.

Não tendo reserva, levava, apenas, a expetativa de ver o seu interior e sentir, por minutos, a sua atmosfera. Por sorte conseguimos trinta minutos numa mesa! O empregado que nos serviu, com competência e simpatia inexcedíveis, percebendo que éramos portugueses, fez questão de nos falar de Ronaldo, mas também de Luís Figo, o que eu achei interessante, dadas a sua idade aparente e a data em que Figo abandonou os relvados.

No verão do ano passado, numa conversa com o meu filho, que foi praticante de futebol e acompanha, com atenção, essa modalidade, querendo ilustrar o meu pensamento, fiz referência a Paulinho Santos, que era titular de uma equipa do Futebol Clube do Porto cinco vezes seguidas campeã nacional e colega de Figo em alguns jogos da Seleção de Portugal.

A ilustração saiu borrada!

Com cara de repete lá isso, o meu filho perguntou: Quem é esse Paulinho Santos?

Luís Figo alinhou 127 vezes pela nossa seleção, jogou e venceu competições nacionais e europeias pelo Barcelona, Real Madrid e Inter de Milão. Foi melhor jogador do mundo em 2001, venceu a Bola de Ouro em 2000 e foi incluído por Pelé na lista FIFA 100.

Figo jogava de cabeça levantada, tinha um jogo positivo sempre focado no objetivo, naquilo que nos prende ao futebol: o golo!

Figo fazia futebol!

Paulinho Santos jogou apenas em dois clubes portugueses – Rio Ave e Futebol Clube do Porto – e 30 jogos na Seleção Nacional. Ganhou por sete vezes o Campeonato Nacional, cinco vezes a Taça de Portugal e cinco vezes a Supertaça Cândido de Oliveira. Já no último ano como profissional, no qual não foi titular, venceu, pelo Futebol Clube do Porto, a Taça UEFA.

Paulinho Santos jogava duro, o seu jogo era negativo, muitas vezes briguento e a sua missão era impedir o jogo dos adversários.

Paulinho Santos fazia o que era preciso!

Pelos canais de rádio e televisão, pelas páginas dos jornais e pelas redes sociais abundam opinantes e comentadores, alguns em conflito de interesses, uns de bola, outros de política e um ou outro de tudo.

Há os que são eles mesmos, há os que são o que lhes convém e há os que são o que é preciso.

Luís Figo e Paulinho Santos, enquanto jogaram, levantaram adeptos em aplauso. Mas hoje, porque o tempo apenas imortaliza o que vale a pena, de quem nos lembramos?

Manter a concentração

Investigadores alemães realizaram, há anos, um estudo que conduziu à instalação de sistemas ABS em metade de um conjunto de táxis de Munique, deixando a outra metade desse grupo com travões convencionais.

Os condutores desses automóveis foram seguidos em segredo, com o apoio de sensores escondidos, durante três anos.

Como todos sabemos o ABS possibilita um melhor domínio do automóvel em caso de travagem, razão pela qual se esperava que a sua utilização concretizasse uma redução de acidentes, facto que não veio a ser observado.

Na verdade os condutores dos táxis com ABS apresentaram uma taxa de sinistralidade igual à do grupo que não estava equipado com esse dispositivo, fruto de uma condução mais agressiva, de travagens mais fortes, de maiores velocidades, de mais mudanças de faixa de rodagem e de curvas mais apertadas.

Este fenómeno, conhecido por homeostase do risco, resulta de uma falsa sensação de segurança que nos leva a um comportamento mais relaxado perante o risco.

Enquanto país encontramo-nos doentes e seguimos uma terapia que nos prescreveu austeridade, o que, como todos os medicamentes, nos trouxe um conjunto de efeitos secundários que nos estão a enfraquecer.

Neste quadro, a generalidade dos especialistas recomenda a promoção do crescimento e refere-se à necessidade de termos mais tempo e dinheiro para o nosso ajustamento.

Vendo necessidade absoluta de se dinamizar o crescimento, registo a ideia de não podermos relaxar no tempo e no dinheiro, sob pena de, embora aliviando os sintomas, não curarmos a doença, o que é o nosso verdadeiro objectivo.

Nota: Este artigo foi publicado na edição de 28 de novembro de 2012 do Açoriano Oriental

Tudo se transforma!

Em junho de 2015 fui convidado pela AICOPA, na qualidade de Presidente da Direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Economistas, funções que então desempenhava, para fazer uma comunicação num seminário de reflexão sobre o futuro do setor da construção civil nos Açores.

Gravei a comunicação com o intuito de a editar, tarefa que só agora terminei, depois de recordado por uma lista interminável de coisas para fazer que consultei há umas semanas. 

Devo, a começar, advertir que desde que me iniciei no estudo da economia gostei de contrariar a ideia de que os economistas só falam de números, facto que somado à má fama que os anos da Troica colaram ao Excel, suportou a minha decisão de não apresentar quadros com números ou, sequer, gráficos.

Quando, há cerca de trinta anos, emigrei do Faial havia nessa ilha uma conhecida mercearia, muito bem fornecida, que tinha tudo, incluindo um grande problema: tudo estava fora do lugar. Na azáfama diária, o seu proprietário e empregados não reservavam o tempo suficiente para a manter em ordem.

As nossas cabeças, frequentemente, estão como essa mercearia, precisando de uma arrumação, que conferências como esta proporcionam e facilitam.

A minha comunicação, que é a partilha de um conjunto de reflexões que temos feito no quadro da atividade da Delegação dos Açores da Ordem dos Economistas, tem o propósito de contribuir para organização do nosso pensamento sobre o futuro que já caminha ao nosso encontro.

Toda a atividade humana tem um contexto, que não pode ser ignorado se a quisermos compreender e se intentarmos identificar a sua trajetória.

Somos ilhas de pequena dimensão, o que se constitui como fator limitativo do desenvolvimento da construção civil, que necessita de espaço para se concretizar, recurso que é fortemente disputado pela agropecuária, o mais importante setor da nossa débil economia.

O turismo, setor económico emergente, não sendo um tão grande consumidor de espaço, tenderá a estabelecer-se, considerando as características do nosso produto turístico, como um agente de defesa do ambiente, o que, associado ao crescimento da consciência ambiental da sociedade, se traduzirá numa utilização muito mais exigente do espaço disponível.

Para além da geografia deve considerar – se, igualmente, a demografia.

Embora nos Açores não tenhamos grandes flutuações da população, a verdade é que existem pressões, fortes, no sentido da sua redução.

Verifica-se uma baixa taxa de natalidade, em decréscimo há vários anos, que  combinada com o aumento da esperança de vida, promove o envelhecimento da população.

Temos, para além desta, de considerar, sem demagogia, uma outra questão. Somos um Região pobre e pequena que nunca vai poder oferecer a riqueza de oportunidades necessária para dar emprego há diversidade de profissões  que os jovens procuram hoje em dia.

Há, de novo, muita gente jovem que sai dos Açores, ou da sua ilha, para estudar que, dada a especificidade da sua formação, muito dificilmente, para não usar uma expressão mais chocante, terá emprego nos Açores.

Somos, satisfeitos, parte da União Europeia, que busca ativamente criar condições para que os seus cidadãos procurem e obtenham, em igualdade de circunstâncias, emprego onde ele exista, independentemente da sua origem. É por isto que não nos podemos lastimar quando os nossos partem por essa razão.

Olhemos rapidamente o mercado, procurando identificar setores que tenham interesses ou necessidades relacionadas com a construção civil e as condicionantes que lhes estão associadas.

O stock de habitação para venda não permite antever a possibilidade de grandes investimentos nesta área.

Existe diversidade de incentivos ao investimento na indústria, mas na verdade não existem muitas oportunidades para investir nesta área, dados os poucos recursos naturais que estão à nossa disposição e a sua reduzida escala.

A fruição da natureza e o bem estar oferecem possibilidades que temos de explorar melhor.

O turismo tem, ainda, algumas coisas para dar à construção civil, embora diferentes das que tem dado até agora. Não devemos esperar a construção de uma quantidade relevante de grandes hotéis, mas surgirão trabalhos de tipologia diferente.

O financiamento é uma questão da maior relevância dadas, pelo lado privado, a escassez de capital próprio das empresas açorianas, nomeadamente as de construção civil, e a maior dificuldade de acesso a crédito.

Do lado público existem intenções de investimento e, certamente, meios para os concretizar, mas temos de considerar que a nível global a capacidade do mundo para produzir riqueza está em regressão, ou, visto numa perspetiva mais positiva, está a ajustar-se, o que quer dizer que a parte do mundo que está, neste momento, mais apta a produzir riqueza não é a nossa.

Como consequência disto as entidades públicas têm tido necessidade de fazer outras opção políticas, sublinhando a sua intervenção social, o que pressiona a redução do investimento público.

Nos Açores o investimento público depende grandemente de fundos comunitários, que são cada vez mais escassos e de mais difícil acesso, dada a cada vez maior e mais intensa luta pela sua posse.

A União Europeia tem mais membros e alguns dos últimos países que a ela se juntaram têm níveis de vida relativamente baixos, razão pela qual estão ávidos de suporte ao seu desenvolvimento.

Tenho memória de ter participado, no final da década de oitenta, num seminário, realizado na Universidade dos Açores, no qual um dos temas mais debatidos foi o fim do ciclo do betão.

Na altura havia a ideia de que, feitos uns portos e uns aeroportos, o espaço para construção civil se esgotara, obrigando à procura de outra via.

O que é verdade é que de então para cá ocorreram, no meu critério, mais dois ciclos de betão, que já acabaram, e outro está aí à porta, claramente diferente dos outros, razão pela qual o setor está sujeito a um ajustamento, processo que é sempre doloroso.

Não podemos, todavia, encarar este processo como se estivéssemos num consultório médico, a aguardar a vez, lendo uma revista de há três anos, procurando atribuir responsabilidades ou encontrar justificações. Temos de encarar este tempo como quem está à entrada de uma sessão de treino destinado a preparar um jogo que ocorrerá no próximo mês.

É claro que há preocupações que sobraram do passado, mas não vamos ser bem sucedidos se quisermos fazer do futuro a solução do passado.

O novo ciclo constrói-se hoje, não ignorando o passado, é certo,  mas tendo em conta as condicionantes do futuro!

Uma oportunidade de desenvolvimento é o exterior.

É tão verdade que houve experiências de negócios de empresas de construção civil  feitas no exterior que fracassaram, quanto verdade é que outras houve bem sucedidas.

Se considerarmos que a sobrevivência do setor precisa de negócios fora dos Açores, deveremos fazer as tentativas que se mostrarem necessárias até encontrarmos um modelo que funcione e produza resultados satisfatórios.

A construção civil inclui diversas competências, que podem ser vendidas em pacote ou separadamente, razão pela qual nos deveremos apresentar no mercado com a flexibilidade suficiente para encaixarmos as nossas competências nas oportunidades que surgirem.

A procura de negócios no exterior é, pois, um tema que deve ser revisitado.

Do setor do turismo deve esperar-se algum trabalho relevante, quer em novas construções, quer em trabalhos de reforma e manutenção de unidades hoteleiras mais antigas, que representam diferentes oportunidades de negócio.

O mar corre o risco de ser o D. Sebastião da Economia dos Açores. Promete tanto e parece nunca chegar.

São tão grandes o desafio e a imaginação que dificultam o primeiro pequeno passo que temos de nos apressar a dar!

Das competências que fazem a construção civil há algumas que podem interessar a projetos ligados ao mar, nomeadamente engenharia, gestão de obras e de contratos, especialidades ou até realização de trechos de obra adequados à dimensão das nossas empresas.

Mas temos, para aproveitar as oportunidades que surjam, de redobrar a nossa atenção ao mercado e confiar na nossa capacidade.

Do ambiente, de onde já chega trabalho para o setor, deve esperar-se muito mais, quer em novas frentes e áreas, quer na recuperação e manutenção de espaços e infraestruturas.

Segurança, entendida como gestão de riscos de proteção civil, apresenta oportunidades de que proteção da orla marítima e reforço de falésias são apenas exemplos do muito que há para fazer nesta área, que deve ser olhada com profundidade pelas entidades públicas, mas também pelas empresas privadas.

Em Portugal, e nos Açores em particular, somos pouco ativos em matéria de manutenção. Na hora das decisões sobre a afetação dos recursos interessamo-nos mais por novas obras, sacrificando, mais do que é razoável, as necessidades de manutenção do património construído ou de áreas atacadas pela corrosão.

Tenho a ideia de que com a entrega de uma obra se deveria entregar um plano de manutenção da mesma, cuja execução deveria, nos casos das infraestruturas e edifícios públicos ou de uso público, ser fiscalizada.

Se a manutenção fosse encarada desta forma estaríamos perante uma oportunidade de negócio, que nos termos atuais, que não são esses, já representa, ainda que bem mais pequena, uma oportunidade.

Tal como o mobiliário que utilizamos nas nossas casas evoluiu ao longo do tempo para objeto de moda, também os interiores das habitações irão passar a ser alterados de acordo com a moda ou com a evolução dos agregados familiares que os habitarem. O número de divisórias, a sua dimensão e uso serão diversas vezes alterados, considerando a evolução do gosto, o número e idade dos seus habitantes ou até o números de horas que passam em casa.

Já hoje se detetam sinais desta tendência, facilitada por novas técnicas construtivas e diferentes materiais utilizados.

Estou seguro de que um dia remodelações e adaptações vão seguir este curso. Quem se chegar à frente primeiro ficará em vantagem, apesar de ainda haver muito caminho para andar nesta frente.

No fim volto a notar a necessidade de sermos realistas, agindo sempre com a consciência das nossas limitações, nas quais se incluem a escassez dos recursos, não apenas financeiros, que temos à nossa disposição.

Não podemos continuar a pensar o futuro apenas buscando soluções para os problemas que o passado criou. O futuro tem de ser pensado em função dele próprio, isto é, em razão da nossa ambição!

Estou otimista.

Temos, como procurei apresentar, oportunidades. A nossa história mostra que sempre fomos capazes de concretizar as nossas aspirações e adaptarmo-nos às circunstâncias, sempre difíceis, da vida nestas ilhas.

O Estado sou eu!

Júlio Carvalhal passou pela Horta no início dos anos oitenta do século passado, para trabalhar, como Jurista, na Direção Regional de Turismo.

Por uma qualquer razão acabou a dar, também, umas aulas de Economia na Escola Secundária Manuel de Arriaga, então designada de Escola Secundária da Horta.

O seu ar sério escondia um homem bem humorado, que procurava afincadamente estar sempre em posição de tirar proveito das coisas boas da vida.

A minha memória não é suficiente para me habilitar a registar aqui, com pormenor, o programa da disciplina, que fazia parte dos planos curriculares dos 10º e 11º anos, mas bastante para assinalar que incidia, sobretudo, em história económica e princípios de economia política.

Mas recordo-me, muito bem, que foi com Júlio Carvalhal que aprendi, para a vida, a diferença entre as pessoas e as instituições!

Jamais esquecerei o enfado com que nos retorquia, perguntando o que é o Governo, quando nós, em oportunidades erradas, nos referíamos a ele em vez de nos referirmos ao Estado.

A confusão que hoje existe a propósito destas duas entidades é tão grande que há muita gente, provavelmente a maioria, que não as distingue!

O Estado é como se fosse uma associação de todos os cidadãos e o governo é, apenas, o conjunto das pessoas que recebe o encargo de o administrar de acordo com o mandato que recebe dos cidadãos e no respeito pelas orientações que decorrem dos programas que são sujeitos a sufrágio.

O governo não dá, por isso, nada a ninguém! Ninguém pode dar o que não é seu!

O governo apenas decide o que o Estado deve fazer. Atua, desta forma, em nome do Estado e não no seu próprio.

É assim porque é no Estado, a comunidade que constituímos, e não no governo, que delegamos o zelo pelos nossos interesses coletivos, cuja concretização é feita com o nosso contributo.

A confusão foi provocada com o interesse de criar uma dependência, que favorece o poder e diminui os cidadãos, cuja demissão generalizada facilitou.

Defensor do direito divino dos reis, Luís XIV de França exerceu o seu longo reinado de forma absoluta, promovendo a centralização do poder, o que resultou na sobreposição do Estado e do rei, de tal forma perfeita, que lhe é atribuída a autoria da famosa frase “o Estado sou eu”.

A prática comunicativa dos governos do tempo que corre, tem construído a ideia de que o Estado é o governo.

O “Estado é o governo” é o “Estado sou eu” deste século!